terça-feira, 16 de outubro de 2007

A Morte Devagar

"Morre lentamente quem não troca de idéias, não troca de
discurso, evita as próprias contradições.

Morre lentamente quem vira escravo do hábito, repetindo
todos os dias o mesmo trajeto e as mesmas compras no
supermercado. Quem não troca de marca, não arrisca
vestir uma cor nova, não dá papo para quem não conhece.

Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru e seu
parceiro diário. Muitos não podem comprar um livro ou
uma entrada de cinema, mas muitos podem, e ainda assim
alienam-se diante de um tubo de imagens que traz
informação e entretenimento, mas que não deveria, mesmo
com apenas 14 polegadas, ocupar tanto espaço em uma
vida.

Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o
preto no branco e os pingos nos is a um turbilhão de
emoções indomáveis, justamente as que resgatam brilho
nos olhos, sorrisos e soluços, coração aos tropeços,
sentimentos.

Morre lentamente quem não vira a mesa quando está
infeliz no trabalho, quem não arrisca o certo pelo
incerto atrás de um sonho, quem não se permite, uma vez
na vida, fugir dos conselhos sensatos.

Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não
ouve música, quem não acha graça de si mesmo.

Morre lentamente quem destrói seu amor-próprio. Pode ser
depressão, que é doença séria e requer ajuda
profissional. Então fenece a cada dia quem não se deixa
ajudar.

Morre lentamente quem não trabalha e quem não estuda, e
na maioria das vezes isso não é opção e, sim, destino:
então um governo omisso pode matar lentamente uma boa
parcela da população.

Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da má
sorte ou da chuva incessante, desistindo de um projeto
antes de iniciá-lo, não perguntando sobre um assunto que
desconhece e não respondendo quando lhe indagam o que
sabe. Morre muita gente lentamente, e esta é a morte
mais ingrata e traiçoeira, pois quando ela se aproxima
de verdade, aí já estamos muito destreinados para
percorrer o pouco tempo restante. Que amanhã, portanto,
demore muito para ser o nosso dia. Já que não podemos
evitar um final repentino, que ao menos evitemos a morte
em suaves prestações, lembrando sempre que estar vivo
exige um esforço bem maior do que simplesmente respirar."

Martha Medeiros

Sobre a autora:

Martha Medeiros nasceu em Porto Alegre em 1961. Formada em Publicidade. Escreveu livros de poesias e de crônicas, seu mais recente lançamento é o livro de ficção: Divã. Martha é cronista do jornal Zero Hora.

retirei este texto deste site http://www.tvcultura.com.br/provocacoes/poesia.asp?poesiaid=263

E ainda fui a outro para confirmar, ou não, o boato de este texto ser de Pablo Neruda. Parece-me que não é.
http://www.consciencia.net/2003/variedades/boatos.html

É muito importante verificar as fontes.
Por estas e por outras, prefiro os livros. São mais fidedignos.

1 comentário:

Unknown disse...

O texto é de Martha mesmo. Está publicado no livro Non-Stop (Crônicas do Cotidiano).