
A Caça
Para ti o amor não pode ser apenas
Cama, lençol, penetração, saliva.
Tem de ser também - teatro.
Muda a paisagem ao fluir das deixas
Pano de boca sempre recolhido
Luzes da ribalta a celebrar a cor
E a fala do ponto antecipando tudo.
(Quando fazemos amor
Na floresta, nas arribas ou nos arredores do vento
É ao cenário que entregas os olhos
- parte de ti que me não cabe).
Para ti o amor não pode ser apenas
Cama, lençol, penetração, saliva.
Tem de ser também - viagem.
Pouca terra pouca terra geme
A deslizante lagartixa de aço
Se por falha humana, dilúvio ou bomba
A carruagem tomba
Encontram-nos fechados num abraço.
Para ti o amor não pode ser apenas
Cama, lençol, penetração, saliva.
Tem de ser também - cinema.
Trintignant ri à largura do pano
Enquanto a tua mão sobe no meu joelho
Anouk era então muito novinha
Corria agilmente para os ombros do querido do Mustang
E por isso deixo ficar os dedos, na escuridão da sala
Sobre as tuas coxas de cetim
O pior é que a Anouk se reformou
E Trintignant já faz papéis de avô
Logo, o melhor filme da sessão
Não é a reposição
Mas aquele que fazem as nossas mãos.
Para ti o amor não pode ser apenas
Cama, lençol, penetração, saliva.
Tem de ser também - a caça.
Entre nós,
Não há caçador nem caçado.
A caça, simplesmente a caça
Ao sentido da palavra a respeito do declínio dos gestos
Prepara-se para testar o nosso poder de fogo.
Salvo in extremis o poema:
Da mútua, terna, voluntária caça falo.
Para ti o amor não pode ser apenas
Cama, lençol, penetração, saliva...
Júlio Conrado
Para ti o amor não pode ser apenas
Cama, lençol, penetração, saliva.
Tem de ser também - teatro.
Muda a paisagem ao fluir das deixas
Pano de boca sempre recolhido
Luzes da ribalta a celebrar a cor
E a fala do ponto antecipando tudo.
(Quando fazemos amor
Na floresta, nas arribas ou nos arredores do vento
É ao cenário que entregas os olhos
- parte de ti que me não cabe).
Para ti o amor não pode ser apenas
Cama, lençol, penetração, saliva.
Tem de ser também - viagem.
Pouca terra pouca terra geme
A deslizante lagartixa de aço
Se por falha humana, dilúvio ou bomba
A carruagem tomba
Encontram-nos fechados num abraço.
Para ti o amor não pode ser apenas
Cama, lençol, penetração, saliva.
Tem de ser também - cinema.
Trintignant ri à largura do pano
Enquanto a tua mão sobe no meu joelho
Anouk era então muito novinha
Corria agilmente para os ombros do querido do Mustang
E por isso deixo ficar os dedos, na escuridão da sala
Sobre as tuas coxas de cetim
O pior é que a Anouk se reformou
E Trintignant já faz papéis de avô
Logo, o melhor filme da sessão
Não é a reposição
Mas aquele que fazem as nossas mãos.
Para ti o amor não pode ser apenas
Cama, lençol, penetração, saliva.
Tem de ser também - a caça.
Entre nós,
Não há caçador nem caçado.
A caça, simplesmente a caça
Ao sentido da palavra a respeito do declínio dos gestos
Prepara-se para testar o nosso poder de fogo.
Salvo in extremis o poema:
Da mútua, terna, voluntária caça falo.
Para ti o amor não pode ser apenas
Cama, lençol, penetração, saliva...
Júlio Conrado
1 comentário:
O teu riso
Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.
Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.
A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.
Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.
À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.
Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.
Pablo Neruda
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